Redação: Tiago Marques-Agência Sertão
Desde 2007, o anúncio de um grande empreendimento de mineração empolgou políticos e moradores da região de Guanambi. Após a descoberta de uma jazida de minério de ferro com reserva estimada de 470 milhões de tonelada de minério de ferro, a Bamin (Bahia Mineração) iniciou os trabalhos de implantação de uma mina de extração do minério. O novo empreendimento era, naquela época, esperança de desenvolvimento econômico para a região.
No momento em que o país contabiliza as perdas humanas e ambientais causadas pelo rompimento de uma barragem da Vale no município de Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte, o assunto volta a tona em meio a questionamentos e poucas informações disponibilizadas pela empresa. Em 2015, cerca de 55 milhões de metros cúbicos vazaram da barragem da Samarco (Vale/BHP) em Mariana, matando 19 pessoas e detonando a bacia do rio Doce. Em Brumadinho foram cerca de 12 milhões de metros cúbicos e número de mortos ainda incalculado, além da contaminação do rio Paraopeba, um dos principais afluentes do São Francisco.
Vídeo institucional da Bamin (2013)
Em 2010, a empresa começou os trabalhos na região da jazida, localizada entre os municípios de Caetité e Pindaí. Desde a chegada da Bamin na região, pelo menos 600 famílias passaram a se preocupar os impactos da mineração na região. Antes de saberem da intenção da Bamin de construir uma barragem de rejeitos no leito do riacho Pedra de Ferro, moradores da região se viram encurralados pela empresa.
Segundo lideranças comunitárias, a Bamin se apropriou de áreas de uso comum em Caetité, avançando para os municípios vizinhos de Pindaí e Licínio de Almeida. As comunidades tradicionais destas áreas usavam as terras coletivamente para extrativismo de plantas medicinais e frutos, além do pastoreio do gado. Dentro dessas áreas, que está cercada pela empresa com placas de propriedade privada, estão localizados os rios, riachos, poços e barragens que sempre abasteceram as famílias da região. “Nós usávamos essas áreas do gerais para uso comum, a empresa veio e cercou tudo, cercou até áreas onde famílias lutavam para seu sustento”, disse um líder comunitário da região.
O pesadelo dos moradores da região da mina Pedra de Ferro se tornou ainda maior quando a empresa anunciou a intenção de construir uma barragem para contenção dos rejeitos da mineração. O projeto apresentado como “mais viável” para a Bamin prevê o alagamento de uma área de mais de 439 hectares, no entanto, a empresa conseguiu autorização do Instituto do Meio Ambiente da Bahia (IMA), em 2010, para supressão vegetal de uma área de 719 hectares.
“Em 2010 a Bamin apresentou cinco possíveis projetos para a construção da barragem, quatro deles na vertente da bacia do São Francisco e um do outro lado da serra, na bacia do rio de Contas. Pelo que a gente sabe, a empresa optou pela opção mais econômica e mais danosa para o meio ambiente e para a população do entorno da mina. Eles vão acabar com o modo de vida das famílias que moram aqui há décadas se construírem essa barragem no leito do riacho Pedra de Ferro”, comentou outro morador de uma das localidades que serão atingidas pela Bamin.
No relatório de impacto ambiental que a Bamin apresentou em 2009, a empresa afirmou que a construção da barragem afeta moradores dos distritos de Guirapá e Brejinho das Ametistas, além das comunidades de Cana Brava, Açoita Cavalo, Açoita Cavalo II, Fazenda da Mata, Fazenda da Mata de Baixo, Rio da Faca, Rio da Faca de Cima, Fazenda das Flores, João Barroca e Brejo. No entanto, um estudo da Comissão Pastoral da Terra apontou que a barragem também afetaria moradores das comunidades de Araticum, Casa da Roda, Olho D’água dos Pires, Rancho do Meio, Baixa Preta, Barra dos Crioulos, Barriguda, Cachoeira de Baixo, Pedro Antônio, Novo Horizonte, Cachoeira de Cima, Pau Ferro, Piripiri, Poço Cumprido, Rega Pé e Tabuas, todas localizadas entre os municípios de Caetité e Pindaí.
Documentário da TV Zabelê sobre a barragem de rejeitos da Bamin (2013)
A Bamin quer construir a barragem em um dos locais com melhor oferta de água doce da região. O rejeito do minério irá cobrir pelo menos 27 nascentes e poços artesianos usados pelos habitantes das comunidades adjacentes. Além da barragem, o rebaixamento do lençol freático causado pela extração de minério também irá afetar a disponibilidade da água nos poços e nascentes.
Em seu projeto inicial, a Bamin disse que iria construir uma nova adutora no rio São Francisco para trazer a água do processamento do minério. No entanto, a empresa já busca alternativas para retirar a água na região da mina. Cerca de 3 mil famílias usam a água dos poços e nascentes da área de influencia da Bamin.
Além do encurralamento dos moradores da região, do risco de escassez de água para diversas comunidades e dos profundos impactos ambientais na fauna e na flora, moradores relatam que a empresa haje de forma abusiva com a comunidade e ameaça lideranças comunitárias. Na luta que já dura mais de uma década, ele são apoiados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), pelo Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Cáritas Brasileira, além de pesquisadores e do Ministério Público do Estado. Diversas mobilizações foram realizadas durante os últimos anos.
Barragem de rejeitos deve ser construída na Bacia do rio São Francisco
Caso a barragem venha a ser construída e com o passar dos anos a Bamin seja negligente com sua conservação, como ocorreu em Mariana em 2015 e em Brumadinho nos últimos dias, causando um desastre ambiental, o caminho da lama seria o rio São Francisco. O riacho pedra de Ferro está na sub-bacia do Carnaíba, principal formador da barragem de Ceraíma, localizada a cerca de 14 quilômetros do local onde está prevista a construção da barragem. De lá até o Velho Chico são aproximadamente 115 quilômetros pela sub-bacia do rio das Rãs.
No Brasil, segundo último levantamento da Agência Nacional de Àguas (ANA), existem 19 barragens de rejeitos de minério com alto risco de acidentes no Brasil, 12 ficam em Minas Gerais. A barragem que se rompeu em Brumadinho não era classificada como de risco potencial. Na Bahia existem 12 barragens de minério, nenhuma foi classificada com risco de rompimento. No entanto, 10 barragens de abastecimento de água correm risco de rompimento no Estado.
Ministério Público recomendou que Bamin não construa barragem de rejeitos no leito do riacho Pedra de Ferro
O Ministério Público estadual expediu recomendação à Bamin em 2017, para que a empresa não realize a implantação da barragem de rejeitos na Área de Preservação Permanente (APP) do Riacho Pedra de Ferro. Baseada em estudos técnicos, a promotora Luciana Khoury entendeu que a instalação da barragem e pilha de estéril no local “poderá trazer sérios impactos nas nascentes e em cursos de águas”, como também “acarretar sérios prejuízos ao modo de vida tradicional de comunidades de fundo e fecho de pasto que vivem na região”.
A promotora recomendou que a Bamin altere a localização da barragem e da pilha de estéril e apresente alternativas locacionais para estas estruturas ao MP, a fim de que seja realizada análise e discussão pelo corpo técnico da Instituição; que a empresa mantenha intacta a vegetação nativa de toda a APP; e promova a complementação dos Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). Segundo Luciana Khoury, análise técnica realizada pelo MP apontou para a necessidade de um redimensionamento da área de influência direta, indireta e de intervenção do empreendimento Mina Pedra de Ferro, com detalhes dos possíveis impactos para as comunidades tradicionais da região. A promotora afirma na recomendação que o estudo elaborado e apresentado pela mineradora não apresenta consistência nas informações sobre “a real abrangência dos impactos para os meios físicos, bióticos e socioeconômicos”.
A Bamin e o Projeto Pedra de Ferro
A Bamin atualmente é controlada pela estrangeira Eurasian Natural Resources Corporation (ENRC), uma multinacional do Cazaquistão. A empresa enfrentou problemas financeiros nos últimos anos devido a queda acentuada no preço do minério de ferro no mercado internacional.
Em 2011, quando a empresa trabalhava a todo vapor no Projeto Pedra de Ferro. Nesta época, o minério estava em alta de preço, atingindo seu recorde histórico em fevereiro, quando a tonelada do produto passou a custar US$ 187,18. Nos anos seguintes, o produto teve queda brusca de preço, chegando ao valor mínimo de US$ 40,50 em dezembro de 2015. Atualmente o minério de ferro é comercializado a R$ 60,15, preço que ainda não torna o empreendimento muito atrativo.
Além disso, a extração de minério não acontece sem que as obras da Ferrovia de Integração Oeste Leste (Fiol) esteja pronta. Segundo último levantamento divulgado pela Valec, estatal responsável pela ferrovia, o trecho entre Caetité e Ilhéus possui 76,2% das obras concluídas. Com previsão de entrega em 2015, a ferrovia vai entrar num plano de concessões anunciado na última semana pelo Ministério dos Transportes. A Valec deverá ser uma das primeira empresas estatais a ser liquidada no atual governo.
A viabilidade do projeto ainda depende da construção de um porto em Ilhéus, obra que ainda se quer foi anunciada. A empresa pretende extrair até 20 milhões de toneladas de minério de ferro por ano na mina. A pureza média do minério da mina Pedra de Ferro é de 41%.
A reportagem da Agência Sertão enviou questionamentos sobre o projeto Pedra de Ferro à Bamin e aguarda retorno.
Fontes
PARECER DA NASCENTE DO RIACHO PEDRA DE FERRO NOS MUNICÍPIOS DE CAETITÉ E PINDAÍ-BAHIA
UMA ANÁLISE DOS POSSÍVEIS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS NA ÁREA DE EXPLORAÇÃO DE FERRO PELA EMPRESA BAHIA MINERAÇÃO EM CAETITÉ-BA.
Bamin quem transformar leito de rio vivo em barragem de rejeitos
Construção de barragem de rejeitos é alvo do Ministério Publico na Bahia