Os ratos se tornaram um ingrediente essencial na alimentação da população mais pobre do Malauí, que é ameaçada pela fome. Tradicionalmente consumidos como um lanche, eles foram transformados pela pandemia do coronavírus em um prato de sobrevivência.
Localizado no sul da África, o Malauí é considerado um dos países mais pobres do planeta. Mais da metade dos quase 18 milhões de habitantes sobrevive abaixo da linha de pobreza.
Pelo balanço da universidade dos americana Johns Hopkins, há mais de 5.400 casos e 175 mortos em decorrência da Covid-19 no país.
Como no resto do continente, as medidas de saúde adotadas para frear a propagação de Covid-19 afetaram a economia, amplamente informal e rural, e a população. O Banco Mundial projeta uma queda de 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020.
Uma federação industrial local (ECAM) registrou a perda de 1.500 empregos por dia, em média, e calculou que o número acumulado pode alcançar 680 mil até o fim do ano.
Havia planos para um programa de subsídios ao consumo, mas em maio aconteceu uma eleição no país, e o governo foi trocado. O novo presidente, Lazarus Chakwera, ainda trabalha em um projeto para mitigar as perdas econômicas.
Insegurança alimentar
A crise de saúde e econômica aumentou a insegurança alimentar de vários malauianos, obrigados a adotarem medidas alternativas para saciar a fome.
As autoridades de saúde recomendaram há alguns meses o consumo de rato, uma alternativa à carne, que se tornou inacessível. “É uma fonte valiosa de proteínas”, alega Sylvester Kathumba, nutricionista chefe do Ministério da Saúde.
Como a epidemia afeta em especial “pessoas com baixa resistência imunológica, recomendamos uma dieta rica”, explica o diretor de alimentação da secretaria de Saúde do distrito de Balaka, Francis Nthalika.
Assados no espeto e salgados, os ratos são tradicionalmente consumidos entre as refeições em localidades do centro do país.
Bernard Simeon, um agricultor, é um dos que passaram a vender os ratos em espetos na beira da estrada. “Caçamos os ratos para viver. Nós usamos como complemento da dieta diária e vendemos aos viajantes para complementar a renda”, disse ele.
Sua mulher, Yankho Chalera, diz que eles recorrem aos ratos quando não há dinheiro para comprar carne. “Normalmente, contamos com meu marido e seu trabalho”, afirma.
Assado em espetos
A variedade mais popular na região é cinza, de cauda curta, e conhecida pelo nome “kapuku”.
“Quando era criança, nos ensinavam a caçar ratos a partir dos três anos”, recorda o ex-deputado e músico de sucesso Lucius Banda. “No vilarejo, esta atividade não é considerada una obrigação, e sim um entretenimento, tanto para meninos como meninas. Continuo comendo (ratos), mais como recordação da infância do que outra coisa.”
O interesse renovado nos roedores, que são alimentados com sementes, frutas ou ervas, provoca preocupação entre os defensores do meio ambiente, devido aos métodos utilizados na caça.
Para retirar os ratos de suas tocas, os caçadores costumam queimar a mata.
“Ao fazer isso, os caçadores destroem o ecossistema”, lamenta Duncan Maphwesesa, diretor da ONG Azitona Development Services, no distrito de Balaka.
“Entendemos que as pessoas pobres precisam viver”, mas “não percebem que provocam um impacto no meio ambiente e que, assim, participam no aquecimento global”, conclui.
Por France Presse